Parte 3: O Etileno na pós-colheita 14/08/2016

 

Entre o fim do século 19 e o começo do século 20, quando a iluminação das ruas ainda era feita por lâmpadas a gás, alguns alemães notaram que as árvores próximas aos postes de iluminação perdiam as folhas quando ocorria algum vazamento. Logo depois, em 1901 um sujeito chamado Dimitri Neljubov provou que um hidrocarboneto, o gás etileno, era o responsável pela desfolha das árvores. Ele separou os componentes dos gases de iluminação e os foi testando um a um sobre plantinhas de ervilha em vasos. Somente um dos gases, o etileno, mostrou efeito sobre as pequenas plantas. Neljubov também constatou que a partir de concentrações muito baixas, por volta de 0,06 partes por milhão de ar o etileno já faz efeito.

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O Etileno provoca a degradação da clorofila, e assim aparecem os outros pigmentos e a cada queda das folhas no outono das áreas temperadas.

 

O etileno é um hidrocarboneto, compostos químicos orgânicos que são constituídos apenas de átomos de carbono e hidrogênio, como a gasolina, o óleo diesel, o querosene e outros derivados de petróleo. Só que a molécula de etileno é bem menor do que a da maioria dos combustíveis, possui apenas dois átomos de carbono e seis de hidrogênio, por ser tão pequena é leve e um gás na temperatura ambiente. Também é explosivo, por isto é preciso cuidado quando se trabalha com concentrações muito elevadas. Nos vegetais, o etileno tem a propriedade de funcionar como um hormônio ou regulador vegetal, o único gasoso. Hormônios ou reguladores vegetais, são moléculas que em muito pequenas quantidades podem desencadear grandes transformações ou mudanças nas plantas e em seus órgãos, como são as frutas e hortaliças.

Entre tantas funções, o etileno pode ser considerado o hormônio do amadurecimento dos frutos. É produzido no interior das células a partir do aminoácido metionina por meio de reações bioquímicas complicadas. O etileno, tanto faz se produzido na célula ou fora dela, envia um recado químico aos frutos para que eles amadureçam. As moléculas do gás hormônio aderem à parede das células das frutas e dão o comando para o amadurecimento começar. A clorofila, pigmento verde responsável pela fotossíntese, se degrada, possibilitando que pigmentos de outras cores, como as xantofilas amarelas, os carotenoides alaranjados, as antocianinas arroxeadas ou violetas e o licopeno vermelho. A fruta fica colorida e muito mais atrativa. As xantofilas e os carotenoides já estavam lá, só que ocultos pelo verde da clorofila. As antocianinas e o licopeno começam a ser fabricados após a ação do etileno. Os aromas, tão importantes para o sabor e atratividade dos produtos, só são sintetizados na presença do etileno.

Ao mesmo tempo da mudança de coloração e também obedecendo a ordem química do etileno, uma substância chamada pectato de cálcio, espécie de cimento da parede celular, começa a se desfazer. A fruta deixa de ser dura e se torna macia, pronta para ser apreciada, este processo é muito evidente nas peras, no abacate, no pêssego e no mamão.

Nas frutas climatéricas, aquelas que amadurecem depois de colhidas, o etileno começa a ser produzido logo depois do completo desenvolvimento. Até que atinge um pico de produção pouco antes do pico da respiração. A grosso modo ele fez a fruta ficar mais macia, mais colorida e respirar mais. Do processo de respiração que vão surgir as substâncias que dão bom sabor à fruta, como os ácidos que dão o azedinho gostoso, e vários compostos de aromas. Neste tipo de fruto, depois que o etileno dispara o processo de amadurecimento não há mais como parar, só deixá-lo mais devagar com o uso de temperatura mais baixa. Aliás, até um certo limite, a produção de etileno aumenta proporcionalmente ao aumento da temperatura.

As frutas não climatéricas, aquelas que não amadurecem depois de colhidas, tem a sua produção de etileno declinante do mesmo modo que a respiração. E se aplicarmos etileno de fora, há um pequeno aumento da respiração enquanto o gás estiver presente no ambiente. Mas assim que a aplicação é interrompida a respiração retorna ao ritmo declinante. Mas o etileno aplicado ou oriundo de outros produtos tem grande efeito sobre estas frutas. Uvas expostas a altas taxas se degranam mais facilmente. Citros são submetidos ao tratamento com o gás-hormônio para terem a clorofila da casca degradada e ficarem totalmente na cor laranja ou amarela e, portanto, mais atrativos. Por aí concluímos que o Limão Tahiti deve ficar o mais longe possível de Etileno, quanto mais verde ele for, melhor comercialmente.

Se houver uma alta concentração do etileno no local de armazenamento ou exposição de frutas e hortaliças, estas vão respirar mais, amadurecer mais rápido e terão uma vida comercial menor. Existem vários métodos para diminuir a concentração do gás. O mais simples é uma correta ventilação. Existem substâncias que absorvem o etileno ou criam compostos sem efeitos. Outro método, este mais sofisticado, é o uso de compostos que encaixam nas células onde naturalmente deveria se encaixar o etileno, uma espécie de entupimento microscópico, diminuindo substancialmente a ação do gás. O mais conhecido destes compostos e o MCP-1 conhecido comercialmente como SmartFresh®.

Produtos com alta produção de etileno devem ficar o mais longe possível dos mais sensíveis.

Como o etileno degrada a clorofila, verduras verde escuras, como agrião e rúcula, colocadas próximas às fontes do gás, maçã, por exemplo, vão ficar amarelas bem mais cedo.

O Etileno também faz as flores abrirem mais rapidamente. Portanto cuidado com os brócolis que abrem as florzinhas e ficam amarelados na presença do gás. Produtos que sofrem danos mecânicos ou são atacados por doenças, podridões ou comidos por insetos têm a produção de etileno muito aumentada.

Produtos nestas condições em locais de exposição ou armazenagem vão atuar de forma negativa sobre aqueles que estão sadios. O etileno emitido pelos produtos com problema faz com que os outros também amadureçam rapidamente. Assim eles ficam mais macios o que facilita a vida dos fungos e bactérias, que atacam e causam podridões, o ataque gera produção de mais etileno e assim a reação vai em cadeia, em pouco tempo prejudicando todo o lote. Esta situação é muito comum em produtos empilhados a granel no varejo.

 

ETILENO

As transformações do amadurecimento acontecem graças à ação do etileno.

 

ABACATE NA CAIXA K

 

Abacate em caixa K: os amassamentos, abrasões e cortes causados por caixas inadequadas fazem aumentar a produção de etileno.

 

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Representação plana da molécula de Etileno

 

MANGA COM ANTRACNOSE

 

 

MAMÃO PODRE 1

Podridões fazem aumentar a produção de etileno.

 

ABACAXI 

Transporte a granel: causa danos que aumentam a produção de etileno.

 

MELANCIA ETILENO

Degradação da polpa de melancia causada por etileno

 

MELÃO GÁLIA ETILENO

Degradação da polpa de melão ‘Gália’ causada por etileno

 

É importante destacar que o etileno é fundamental para o amadurecimento dos frutos. Sem o gás a maturação não ocorre.

O objetivo de se evitar o excesso de etileno nas etapas da colheita, transporte, armazenagem e varejo é impedir que o amadurecimento e a senescência (envelhecimento) dos produtos ocorram antes deste chegaram na casa do consumidor ou outros pontos de consumo final como restaurantes, hotéis, padaria e lanchonetes.

As bananas, pelo fato das pencas de um mesmo cacho terem idades diferentes e também por ser impossível saber quando se iniciará o amadurecimento natural, passam por um processo chamado climatização. O objetivo da climatização é fazer que todo um lote de bananas tenha um amadurecimento garantindo e homogêneo. Frutas como o caqui e as ameixas também passam por processo semelhante.

Um gás muito parecido com etileno, o acetileno, resultado da reação de pedras de carbureto (as mesmas usadas por exploradores de caverna) e água provoca efeitos similares ao do etileno. Por isto é usado em sistemas rudimentares de climatização.

 

CLIMATIZADOR

 

 

 

BANANA NA CAMARA 

 Climatização de banana na CEASA de São Paulo: o objetivo é homogeneizar o amadurecimento.

Sem a climatização o comprador não saberia quando as bananas iriam amadurecer e estas também amadureceriam de forma desigual.